quinta-feira, 31 de março de 2011

A vida invade a escola

Até há alguns anos, o dia-a-dia dos alunos não dizia respeito à escola.

Hoje, não dá pra fugir dele

Paola Gentilee (Paola Gentilee)Luciana Zenti
Estela em reunião no Bandeirantes, em São Paulo: os professores decidem os limites dentro da escola. Foto: Masao Goto Filho
Estela em reunião no Bandeirantes, em São Paulo: os professores decidem os limites dentro da escola.
Foto: Masao Goto Filho
A Escola Estadual Aymar Baptista Prado, em Ribeirão Preto, interior de São Paulo, fica próxima a uma das áreas mais violentas da cidade. A maioria dos alunos convive com a violência, nas ruas e em casa, e com as drogas, em famílias desestruturadas ou ausentes. Nesse contexto, a Aymar Baptista é mais do que um espaço de construção do conhecimento. É um porto seguro.

"Quando tem tiroteio, todo mundo só quer falar nisso. Um perdeu um parente, outro viu tudo...", exemplifica Laena Perroquete, professora de 1ª a 4ª série. "Nesses dias não dá para seguir a aula planejada. É melhor ouvir a garotada e fazer atividades para discutir e entender o que aconteceu."

As inquietações que as crianças levam para a sala de aula são de todos os tipos. Assuntos ligados a sexualidade, luto e morte, separação, maus tratos. Casos de gravidez e doença, às vezes histórias de amigos infectados pela Aids. Histórias que, até há poucos anos, ficavam restritas ao convívio e ao ambiente familiares. E hoje afligem jovens de escolas públicas e particulares a toda hora e lugar — inclusive dentro da escola. Você, professor, sabe bem como essa situação é difícil. O que fazer? Tentar ignorar os problemas? Fincar pé e dizer que não foi preparado para lidar com isso? Fingir que está à frente do quadro-negro apenas para "passar os conteúdos"? Alegar que não ganha para encarar essas questões? Nada disso adianta. A escola foi mesmo invadida pelos grandes temas da vida real e não há outra saída senão envolver-se, ajudar, participar — em maior ou menor grau.
Augusta: trabalho com as diferenças garantiu o respeito a um aluno gay. Foto: Eugenio Savio
Augusta: trabalho com as diferenças garantiu o respeito a um aluno gay. Foto: Eugenio Savio
"Mais do que nunca o educador precisa conhecer a fundo a infância e a adolescência", afirma Miguel Arroyo, professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais e responsável pela implantação da Escola Plural, em Belo Horizonte. Ele reconhece que a resistência é perfeitamente justificável. Todo o sistema educacional privilegia os conteúdos e — para o bem e para o mal — a preparação para o vestibular. "Nesse contexto, muitos se esquecem de que os alunos são, acima de tudo, seres humanos reais: jovens cheios de energia, meninas que podem engravidar por falta de informação, garotos suscetíveis à tentação das drogas", analisa.

Júlio Groppa Aquino, professor de Psicologia da Educação da USP, emenda. "Em pleno século XXI, fazemos uma escola como se ela fosse igual à de 1950, elitista e uniforme. E o que é pior: desejando que ela continuasse assim", constata. Então, cabe a dúvida. Como deve ser a escola? "Ainda que o professor queira apenas dar aulas, ele não pode perder a consciência de que a criança só vai aprender se tiver condições físicas e emocionais", ensina Vera Resende, psicóloga e professora de Psicoterapia Infantil da Unesp.
Lourdinha: esforço conjunto para que suas estudantes grávidas não abandonassem as aulas, no Ceará. Foto: Tibico Brasil
Lourdinha: esforço conjunto para que suas estudantes grávidas não abandonassem as aulas, no Ceará. Foto: Tibico Brasil
Baixo rendimento

Questões pessoais mal resolvidas refletem-se diretamente no processo de aprendizagem. Qualquer problema se traduz em baixo rendimento, desatenção, agressividade ou isolamento. Para ajudar seu aluno, os especialistas sugerem desde cursos e leituras específicas até atos extremamente simples: acolher a criança, escutá-la, mostrar-se disponível. Sem assumir o papel de terapeuta — nem substituir os colegas orientadores ou coordenadores —, é possível indicar um caminho para superar a aflição. Na maioria das vezes, dá até para transformar um caso antes problemático em lição para toda a turma.

Por um motivo básico. A escola, com sua rotina, pode oferecer onforto e segurança. O estudante que sofre recoloca-se como membro de um grupo ao voltar para a classe. Se for bem recebido, por adultos que o escutem sem nada exigir em troca, ganha um aprendizado para toda a vida.

Os casos mais comuns, até pela amplitude do tema, dizem respeito a manifestações de sexualidade. O susto é grande quando uma adolescente fica grávida, um garoto se masturba na sala de aula, o namoro fica mais quente no pátio ou um menino apresenta comportamento efeminado. "A tendência do professor é sentir-se agredido por esse tipo de comportamento e dar bronca ou convocar os pais", diz Vera Lúcia Vaccari, psicóloga do Centro de Estudos e Pesquisas de Comportamento e Sexualidade, em São Paulo. Está certo agir assim?

"Não existe verdade quando se trata de sexo, porque envolve moral e valores culturais muito fortes", afirma a psicóloga Maria Helena Guerpelli, diretora do Instituto Kaplan. Segundo ela, o melhor caminho é aproveitar um momento crítico desses para mostrar os limites entre o público e o privado (leia nos quadros que acompanham esta reportagem sugestões para cada caso). Até porque o aluno pode desconhecer a regra social que está infringindo. Ou estar buscando uma forma de chamar a atenção.

Um bom exemplo é a atitude adotada por Margareth Coser Hernandez, professora de Inglês da 6a série do Colégio Parthenon, em Guarulhos, na Grande São Paulo. Ao constatar que um menino se masturbava na classe, ela pediu que ele saísse para tomar água. Imediatamente, levou-o até a orientadora educacional Simone Pannochia Tahan, que explicou ao garoto que o que ele estava fazendo não é errado em si. O local é que não está adequado.

É fundamental, nessas horas, a escola ter muito claros quais são seus próprios valores. "Com regras explícitas fica fácil estabelecer limites", garante Maria Helena. O Colégio Bandeirantes, de São Paulo, está justamente nessa fase de definição de preceitos. A escola é pioneira no trabalho de Orientação Sexual. Desde 1990, a disciplina consta regularmente do currículo. As turmas de 5ª e 6ª séries falam de puberdade, modificações no corpo e envolvimento emocional. A partir da 7ª, os interesses voltam-se para relacionamentos, erotismo, sedução, gravidez e doenças sexualmente transmissíveis.

Apesar dessa familiaridade com o assunto, ainda surgem situações constrangedoras, como quando um casal se beija durante a aula ou um menino folheia uma revista masculina no meio da explicação de História. Por isso, desde o início do ano professores de todas as disciplinas participam de reuniões semanais organizadas pela coordenadora Maria Estela Zanini para discutir os valores da escola e estabelecer quais são os comportamentos que prejudicam a aprendizagem. O principal objetivo é uniformizar o discurso interno e facilitar a tomada de decisões.
Quando o tema é sexualidade...
■ Identifique a cultura da escola e estabeleça um código de comportamento

■ Quando o tema é separação...Não exponha nem inferiorize o aluno por ter agido de maneira inesperada pelo grupo

■ Quando o tema é separação...Imponha limites sem traumatizar

■ No caso de gravidez, mostre à aluna os recursos que ela tem à disposição e oriente-a a buscar a ajuda de um adulto que assuma com ela a gravidez perante a família. Ofereça condições para ela continuar os estudos

■ Use sempre termos científicos

■ Procure ajuda se não se sentir seguro para falar do assunto
Rosilene: palestras para convencer os pais a aceitar que seus filhos estudem com uma criança infectada pelo HIV. Foto: Eugenio Savio
Rosilene: palestras para convencer os pais a aceitar que seus filhos estudem com uma criança infectada pelo HIV.  Foto: Eugenio Savio
Respeitar diferenças

Maria Augusta das Graças Claro não teve a chance de compartilhar a angústia com colegas, mas encontrou uma ótima solução para um caso bastante complexo, carregado de preconceito. Há dois anos, ela lecionava para uma classe de aceleração de 4ª série na Escola Estadual Princesa Isabel, em Caratinga, Minas Gerais. Um dos alunos, de 14 anos, era constantemente chamado de gay pelos colegas. "Eu fingia não escutar, mas ele me olhava com cara de quem pedia socorro", lembra a professora.

Preocupada, ela começou a ler e freqüentar palestras para saber como discutir a homossexualidade em classe. A oportunidade de intervir surgiu no dia em que um colega disse que o garoto tinha um namorado. Com a turma reunida, Augusta falou das maneiras de ser e da importância de respeitar as particularidades. "Trabalhar as diferenças é o melhor caminho contra a discriminação. Não é preciso nem tocar na palavra homossexualidade", elogia a diretora do Instituto Kaplan. E aconselha: "O papel do professor é apresentar modelos de comportamento masculino e feminino, mas nunca obrigar a garotada a segui-los."

Em Jaguaribe, Ceará, Maria de Lourdes Faria da Costa também sofreu com os problemas que invadiram o colégio — e também encontrou uma solução muito boa. Professora de História da Escola Estadual Carloto Távora, ela resolveu pôr mãos à obra quando nove de suas alunas ficaram grávidas, em 1999. Elas tinham entre 13 e 17 anos e quase nenhuma informação sobre sexo. "Fiz de tudo para impedir que elas largassem a escola, porque não quero que elas prejudiquem suas vidas", relata.

A saída foi envolver direção, coordenação pedagógica e professores num trabalho preventivo. Graças a uma parceria entre as secretarias estaduais da Educação e da Saúde, psicólogos e médicos passaram a capacitar o corpo docente. O resultado veio rapidamente. No ano passado, só uma estudante engravidou, por vontade própria. Das nove mães de 1999, quatro já voltaram a estudar. Na classe de Lourdinha.

Falar de sexualidade envolve também divulgar as formas de evitar a propagação da Aids. O medo da contaminação despertou a sociedade para a importância da precaução. Ao mesmo tempo, a desinformação ainda alimenta a discriminação. A questão é das mais complexas e polêmicas. Em Atibaia, interior de São Paulo, o Núcleo Espaço Colorido de Educação Básica corre o risco de fechar suas portas no final do ano por causa do vírus HIV.

A escola tinha 130 alunos matriculados em 2000. Em outubro, uma garotinha de 3 anos, doente de Aids, começou a freqüentar as aulas. Dois meses depois, algumas mães descobriram o caso e exigiram explicações da dona, Renata Faustino Pereira. Todas queriam saber se seus filhos usavam o banheiro da menina e não escondiam o pavor de haver contato entre o sangue das crianças em caso de corte.

Silvana Aparecida de Souza, que além de mãe da pequena infectada era funcionária da escolinha, sentiu-se pressionada a tirar a filha de lá. A dona da Espaço Colorido nega qualquer pressão para expulsar a garota. Mas lamenta o episódio. "Primeiro, perdi alunos por aceitar a criança. Depois, por ela ter saído", conta. Hoje, Renata tem apenas 48 meninos e meninas matriculados.
Quando o tema é AIDS...
■ Não divulgue a condição sorológica do aluno

■ Fale com o médico responsável

■ Esclareça a comunidade escolar (funcionários, alunos e pais) sobre a síndrome e as maneiras de contágio

■ Trate a criança infectada com o HIV como todas as outras

■ As regras de higiene devem ser as mesmas para todos
A lei e o preconceito

De acordo com uma Portaria Interministerial de 1992, os soropositivos e seus responsáveis não são obrigados a revelar sua condição a nenhum membro da comunidade escolar e, caso alguém fique sabendo, não pode divulgar o fato. Mas os pais de crianças infectadas, preocupados com eventuais acidentes com os filhos, sentem-se mais seguros quando a diretoria da escola tem conhecimento da situação. A determinação legal, no entanto, não consegue deter o preconceito, como se viu em Atibaia.

Sem conhecer a legislação, Rosilene Maria Ferreira Andrade, responsável pelo Centro Educacional Casinha Mágica, em Montes Claros, Minas Gerais, condicionou a matrícula de um jovem portador de HIV a uma consulta aos outros pais. A reunião, convocada especialmente para tratar do assunto, terminou com a decisão de não aceitar o menino. Para não desapontar a família, a diretora colocou o garoto — sozinho — no período da manhã.

Diante da indignação dos pais (e ao tomar conhecimento da lei), Rosilene encontrou um caminho bem melhor. Ela procurou o posto de saúde local e chamou médicos, enfermeiros e psicólogos para conversar com os pais e tirar suas dúvidas. Hoje, o menino não apenas freqüenta a escola como a casa de seus colegas. "O professor é um agente transformador da sociedade e deve ser exemplo de solidariedade", ensina Suely Andrade, psicóloga da Coordenação Nacional de DST/Aids do Ministério da Saúde. "Falar do assunto à exaustão é a única forma de educar para a prevenção e vencer preconceitos", completa Teresinha Reis Pinto, diretora da Associação para Prevenção e Tratamento da Aids, de São Paulo.
Regina e alunos do Pio XII: jogos contra o uso de drogas mostram por que todos somos responsáveis. Foto: Masao Goto Filho
Regina e alunos do Pio XII: jogos contra o uso de drogas mostram por que todos somos responsáveis. Foto: Masao Goto Filho
Diálogo aberto

Conversa franca e direta. Essa receita vale também para combater o uso de drogas. No Colégio Pio XII, na capital paulista, alunos de 7ª série costumam se deitar em almofadas para conversar sobre o tema. Na sala ampla e bem iluminada, não há palavras proibidas. O professor César Pazzinato comanda o debate. "Li no jornal uma entrevista defendendo a maconha", diz um. "Recebi um e-mail dizendo que fumar cigarro é pior", provoca outro.

O programa de prevenção às drogas começa na Educação Infantil, com uma abordagem sobre os aspectos positivos de ter vida e alimentação saudáveis. Nos primeiros anos do Ensino Fundamental, o estudo do aparelho digestivo vira pano de fundo para expor os malefícios do cigarro. Nas aulas de circulação sangüínea abre-se a discussão sobre Aids. "Não basta ensinar o aluno a dizer não às drogas", destaca a psiquiatra Sandra civoletto. "Ao promover a qualidade de vida, é possível envolver todas as disciplinas."

Para as turmas de 5ª a 8ª série, a orientação é feita por estudantes do Ensino Médio. Os maiores criam jogos com dados, tabuleiros e dominós, que são usados nas conversas sobre drogas com os colegas menores. "O trabalho fica mais eficiente quando todos assumem a responsabilidade pela prevenção", afirma Regina Padula, orientadora do Pio XII.

"Se o aluno gosta do professor, se sente seguro ao conversar com ele, tem mais chances de largar a droga", garante Wimer Bottura Júnior, psiquiatra e diretor do Comitê Multidisciplinar de Adolescência da Associação Paulista de Medicina. Por isso, a dedicação é importante. Na Escola Estadual Antônio Alves Cruz, em São Paulo, ela veio na forma de bolsas de estudos para os educadores aperfeiçoarem sua formação e se sentirem mais capacitados a tratar do tema dentro da sala de aula.
Quando o tema é droga...
■ Identifique a cultura da escola e estabeleça um código de comportamento

■ Não exponha nem inferiorize o aluno por ter agido de maneira inesperada pelo grupo

■ Imponha limites sem traumatizar

■ No caso de gravidez, mostre à aluna os recursos que ela tem à disposição e oriente-a a buscar a ajuda de um adulto que assuma com ela a gravidez perante a família. Ofereça condições para ela continuar os estudos

■ Use sempre termos científicos

■ Procure ajuda se não se sentir seguro para falar do assunto
Filomena, professora de Matemática da Escola de Matemática da Escola Alves Cruz, em São Paulo, faz a
Filomena, professora de Matemática da Escola de Matemática da Escola Alves Cruz, em São Paulo, faz a "dinâmica da bala": brincadeira para mostrar que prazer e perigo estão mais próximos do que se imagina.
Foto: Masao Goto Filho
Parceiros na batalha

A escola fez uma parceria com o Projeto Sexualidade, do Departamento de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP), e o Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas (Grea). O primeiro passo foi aplicar um questionário anônimo entre os alunos, para identificar seu perfil e determinar duas coisas: a atividade sexual e o consumo de entorpecentes entre os jovens. Em quatro anos de trabalho, o consumo de maconha na Antônio Alves Cruz caiu de 35,3% para 21,6%; o de cocaína, de 8,3% para 2,9%; e o de solventes, de 14,2% para 9,2%.

"Muita gente acredita que a droga venceu a batalha. Mas os números mostram o contrário", comemora o psiquiatra Sérgio Nicastri, coordenador do Grea. Desde o início, os próprios educadores propuseram incluir o tema no dia-a-dia da sala de aula, com palestras e dinâmicas de grupo.

As discussões sobre sexo e drogas viraram rotina em várias disciplinas. A cada duas semanas, os cálculos são substituídos por atividades diferentes nas aulas de Matemática de Filomena Campanini, uma das coordenadoras do projeto. A "dinâmica da bala" é uma delas. Música calma ao fundo, ela faz os alunos formarem um círculo e pede que todos fechem os olhos. Então, entrega a eles uma bala. Percebendo o que têm nas mãos, alguns a colocam na boca. Ao inventar que o doce tem tinta, a professora deixa todos assustados. A mentirinha serve para mostrar que a Aids e a droga também entram na vida dos jovens de forma prazerosa. Depois...
Vera, com denúncia de abuso sexual na mão: coragem e determinação para denunciar o pai que molestava a filha. Foto: Fernando Calzzani
Vera, com denúncia de abuso sexual na mão: coragem e determinação para denunciar o pai que molestava a filha. Foto: Fernando Calzzani
Coragem para denunciar

Diálogo e carinho ajudam muito. Às vezes, porém, é preciso coragem e envolver outros setores da sociedade para tirar seu aluno de uma situação de risco. É o que ocorre nos casos de maus-tratos ou abuso sexual. O Estatuto da Criança e do Adolescente obriga todos profissionais que trabalham diretamente com jovens a comunicar ao Conselho Tutelar ou ao Ministério Público a suspeita de maus-tratos. Nem sempre é simples. "O primeiro passo é se informar sobre o tema", recomenda Viviane Nogueira de Azevedo Guerra, do Laboratório de Estudos da Criança, da USP.

No quadro desta página você aprende a identificar sinais de violência e envolver toda a escola na proteção do aluno, como fez Vera Lúcia Bernardo, diretora da Escola Aymar Baptista, citada no início da reportagem. Ela percebeu que uma aluna da 1ª série se tornara exageradamente agressiva. A menina, de 7 anos, tirava a roupa, agarrava e mordia os colegas. Não se alimentava e tinha nojo dos próprios cabelos, que lavava na torneira várias vezes por dia.

Vera decidiu observá-la e logo viu que a pequena tinha mordidas e manchas roxas no corpo, além de um corte entre as sobrancelhas que não cicatrizava nunca. Desconfiada de abuso sexual, a diretora chamou a mãe e deu a ela um prazo para buscar uma solução. A professora da menina entrou em parafuso. Achava que o diagnóstico era de problemas mentais e sentia-se incapaz de lidar com o caso. Pediu licença médica e nunca mais voltou. A nova professora descobriu a terrível realidade — a garotinha era vítima do próprio pai — de forma quase prosaica. "Fora da sala, perguntei quem a havia ensinado a morder daquele jeito", lembra. Bastou para ela contar tudo o que acontecia em casa.

Coincidentemente, alguns dias depois a escola promoveu um corte coletivo no cabelo das crianças. Antes mesmo que a mãe se manifestasse com uma resposta ao pedido da diretora, o pai apareceu, querendo satisfações: como haviam "mudado o visual" da filha sem sua autorização? Muito nervoso, ameaçou chamar a polícia. Vera viu aí a oportunidade de denunciá-lo. Na delegacia, a menina contou em detalhes as agressões que sofria. Um boletim foi registrado e um processo, aberto. No exame de corpo delito, constatou-se o estupro. A garota passou a viver numa instituição da prefeitura.

O que a diretora não imaginava é que, depois disso, os próprios professores se oporiam à permanência da aluna na escola. "Alguns tinham medo que o pai se vingasse e diziam que eu estava colocando todos em risco. Mas não dá para fechar os olhos", defende Vera. Ela acredita que a denúncia só foi possível porque o corpo docente e a direção têm um trabalho consistente, aberto a novos desafios. Tanto que hoje há outros estudantes vítimas de violência nas classes.

Segundo a pedagoga Kátia Carvalho Abbud, vice-presidente do Centro de Estudos e Prevenção da Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes, é comum o professor ser escolhido pela vítima para escutá-la em situações desse tipo. Por uma razão simples: ele ocupa um espaço muito importante na vida de qualquer criança, até pelo tempo que permanece ao lado dela todos os dias.

Assim, se você ou algum colega de sua escola suspeitar de agressões ou abuso sexual, converse com um adulto da família, tomando o cuidado de não entrar em conflito. Muitas vezes, a mãe sabe ou desconfia do problema, mas não faz nada por temer o agressor ou por acreditar que a denúncia será ainda mais traumática, o que é um absurdo. "O ideal é mostrar o sofrimento pelo qual o filho está passando e, juntos, procurar uma saída", diz Maria Helena, do Instituto Kaplan.
Quando o tema é violência doméstica...
Os principais sinais são:

■ Medo dos pais e de voltar para casa

■ Mudanças freqüentes de humor, comportamento agressivo, desatenção, timidez ou apatia

■ Apreensão quando outras crianças começam a chorar

■ Desconfiança no contato com adultos

■ Sono agitado e pesadelos

■ Conhecimento sexual inadequado para a idade, presença de doenças sexualmente transmissíveis, gravidez precoce e masturbação excessiva

■ Autoflagelação

■ Falta de apetite ou comer demais

■ Marcas no corpo: queimaduras, fraturas, mordidas
Eliane: resgatando a auto-estima para ajudar a superar o divórcio dos pais. Foto: Giselle Rocha
Eliane: resgatando a auto-estima para ajudar a superar o divórcio dos pais. Foto: Giselle Rocha
Casamentos desfeitos

Bem menos assustadoras são as histórias de separação. Há até quem acredite que o divórcio deixou de ser um problema, tanto para o casal como para os filhos. Não é bem assim. Apesar de não ser necessariamente traumático, ele é profundamente desestabilizador. Muitas crianças precisam de tempo e atenção para se adaptar à nova vida. Enquanto isso, a insegurança se transforma em distúrbios de aprendizagem ou agressividade.

Maria Eliane da Silva, professora do Colégio Magnum Agostiniano e da Escola Estadual José Heilbuth Gonçalves, ambas em Belo Horizonte, sentiu esse drama na pele. Ela já tinha lecionado para turmas com 40% de filhos de casamentos desfeitos, mas entrou em pânico por causa de uma menina de 9 anos, aluna da 3ª série. Os pais estavam se separando e a garota ficava na casa de parentes. Na escola, não escondia a irritação, batia nos colegas e divertia-se arrancando folhas do caderno. Vivia desatenta.

Depois de trocar experiências com colegas e ler sobre o assunto, Eliane optou por trabalhar a auto-estima. "Dava atenção a ela, elogiava seus trabalhos", conta. A garota precisou de terapia para se recuperar do trauma familiar, mas Eliane orgulha-se de ter ajudado a superar o problema. A psicóloga Maria Teresa Maldonado, membro da Academia Americana de Terapia de Família, aplaude. "A melhor ajuda que o professor pode dar ao aluno é escutar. Principalmente quando os pais, de tão envolvidos consigo mesmos, se esquecem do filho."

Se a separação já é dolorosa, imagine ter de lidar com a morte. Se a maioria dos adultos evita falar no assunto, o que fazer com os pequenos? "Por causa da ausência de informações e da tristeza não-manifestada, eles se sentem abandonados ou desenvolvem sentimentos de culpa", explica a psicóloga Maria Helena Pereira Franco, coordenadora do Laboratório de Estudos e Intervenção sobre o Luto da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Ela diz que tão grave quanto não falar sobre a perda é usar metáforas do tipo "foi para o céu" ou "viajou". Frases assim só reforçam fantasias que podem estimular a agressividade levar a regressões no comportamento. Contos de fadas e vídeos infantis são fontes ricas de boas idéias para introduzir o assunto entre os menores (geralmente, só se apreende o conceito de morte a partir dos 9 anos, quando a criança se conscientiza de que morrer é irreversível).
Quando o tema é separação...
■ Identifique e elogie os valores e aptidões do aluno

■ Informe-se sobre o desenvolvimento infantil para saber o que a criança necessita

■ Conheça o aluno e sua família

■ Mostre-se sempre aberto para conversar, ajudar e dar atenção

■ Não isole a criança e convide-a para participar das atividades

■ Não exponha a criança destacando seu comportamento desatento

■ Evite concessões: o aluno tem que seguir as regras das outras crianças
Carla: vídeo e fantoches para que as crianças expressem seus sentimentos sobre a morte, que deixa de ser tabu. Foto: Masao Goto Filho
Carla: vídeo e fantoches para que as crianças expressem seus sentimentos sobre a morte, que deixa de ser tabu. Foto: Masao Goto Filho
Falar de sentimentos

No início deste ano, Carla Szazi Marun, professora do pré-2 no Colégio Albert Sabin, em São Paulo, usou o vídeo O Cão e a Raposa. Depois de desenhar partes da história, a garotada criou fantoches para demonstrar os sentimentos da raposinha na hora da morte da mãe — bem como relatar as próprias impressões. Na escola, esse trabalho é reforçado sempre que uma criança perde um ente querido, tanto para ajudar quem está de luto quanto para os colegas, que ficam com medo de o mesmo acontecer com eles. "Saber que todos morremos afasta o sentimento de culpa e abandono", afirma Maria Júlia Kovács, professora de Psicologia da Morte no Instituto de Psicologia da USP.

Uma boa sugestão é orientar a classe no sentido de respeitar a tristeza do amiguinho e oferecer ajuda se assim ele quiser. Não é aconselhável, no entanto, massacrá-lo com excesso de atenção. Ouvir pessoas que também perderam parentes faz os pequenos perceberem que a vida é assim. Vale a pena trabalhar a perda de um bichinho de estimação e perdas coletivas. No dia 6 de março, o falecimento do governador de São Paulo, Mário Covas, levou as turmas da 4ª série do Sabin para o pátio, onde cantaram o Hino Nacional. A coordenadora pedagógica Maria da Graça Bianchini faz questão que todos os professores tratem desse assunto: "Tudo é motivo para conversar sobre o que cada um sente nessa hora. É uma maneira de preparar os alunos para a vida".
Quando o tema é luto...
■ Prepare a classe para receber o colega

■ Conte histórias ou passe vídeos que tenham cenas de morte e discuta com a turma

■ Responda às suas dúvidas claramente

■ Dê trabalhos mais curtos para não dispersar a atenção

■ Faça alguma atividades lúdicas para que a criança se expresse

■ Deixe a criança curtir a tristeza, sem tentar tirá-la da fossa

■ Permita que a criança fale de seus sentimentos, mostre fotos ou objetos da pessoa perdida

■ Promova algum ritual em memória da pessoa falecida
Quer saber mais?
Associação para Prevenção e Tratamento da Aids e Saúde Preventiva, Al. Ribeirão Preto, 28, cj. 21R, CEP 01331-000, São Paulo, SP, tel. (11) 3266-3345
Centro de Estudos e Pesquisas de Comportamento e Sexualidade, R. Traipu, 523, CEP 01235-000, São Paulo, SP, tel. (11) 3662-3139
Centro de Estudos e Prevenção da Violência Doméstica Contra Crianças e Adolescentes, R. Thomas Nogueira Gaia, 168, CEP 14020-240, Ribeirão Preto, SP, tel. (16) 623-2887
Coordenação DST/Aids do Ministério da Saúde, Esplanada dos Ministérios, Ministério da Saúde, bl. G, sobreloja, CEP 70058-900, Brasília, DF, tel. 08001997 (ligação gratuita)
Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas, R. Dr. Ovídio Pires de Campos s/nº., CEP 05403-010, São Paulo, SP, tel. (11) 3081-8060
Instituto Kaplan, R. Cardoso de Almeida, 1717, CEP 01251-001, São Paulo, SP, tel. (11) 3676-0777
Laboratório de Estudos da Criança do Instituto de Psicologia da USP, Av. Professor Mello Morais, 1721, CEP 05508-900, São Paulo, SP, tel. (11) 3818-4383
Laboratório de Estudos Sobre a Morte do Instituto de Psicologia da USP, Av. Mello Moraes, 1721, CEP 05508-900, São Paulo, SP, tel. (11) 3818-4185
Laboratório de Estudos e Intervenções Sobre o Luto da PUC-SP, R. Monte Alegre, 961, CEP 05014-001, São Paulo, SP, tel. (11) 3670-8040

BIBLIOGRAFIA
Ofício de Mestre - Imagens e Auto-Imagens, Miguel G. Arroyo, 251 págs., Ed.Vozes, tel. (24) 237-5112, 21 reais

Fonte: http://revistaescola.abril.com.br/crianca-e-adolescente/comportamento/vida-invade-escola-431392.shtml
Organizado por:Professora Marcia Valeria

2 comentários:

  1. Bom seria se todos nós fizéssemos algo desse tipo em prol da nossa sociedade.
    Parabéns a todos os educadores como esses; um verdadeiro exemplo de que ainda há pessoas que buscam a essência de nossos valores.
    Deus os abençoe!

    ResponderExcluir
  2. Amém.
    Joyce, penso que isso não pode ser casos isolados. Cada um tem a obrigação de fazer seu papel de Professor/Educador. Ganhamos para isso (não o que merecemos más o que escolhemos), e se alguém não está satisfeito muda de profissão.
    Volte sempre e obrigada pelo comentário.
    Beijinhos...Paz!

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Professora Marcia Valeria.

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